Esse texto eu escrevi antes de vir pra Portugal. Resolvi revisá-lo e escrever um pouco mais para postar como forma de reacender minha inspiração para escrita, não necessariamente do blog, mas da minha tese de doutorado, que está passando por um inverno de duas semanas sem uma letrinha escrita.
4 meses depois: Ainda bem que eu
estava ansiosa. Afinal, é sinal de que ainda tenho medo do desconhecido e não
sou tão louca quanto me julgam. Mas ainda bem que não me acomodei ao que
incomodava: cada dia que passa, mesmo com toda a saudade e problemas, eu tenho
mais certeza da escolha que fiz. E eu estava bem certa sobre os anjos que
também respondem como primos. Tão certa que adicionei primos e anjos a essa conta.
Triste, louca ou má?
Têm sido dias reflexivos. E essa
música me acompanha nas reflexões. Seria mentira dizer que essas reflexões
iniciaram após a tão esperada decisão da minha licença e de uma passagem
comprada. Ah, essas reflexões estão comigo há algum tempo, talvez desde o
início desse doutorado. É bem verdade que elas ganharam força nesse ano, mas sempre
me acompanharam. Uma pergunta que tenho comigo e que sempre me traz emoções
diversas é: por que tão inquieta? Por que sempre em busca de algo novo e que me
move? Por que sempre tão questionadora?
Não sei, mas o sou. Não aceito
respostas prontas sem que eu tenha questionado e refletido nela. Talvez nem as
que eu mesma tenha pensado como resposta. Estou sempre a questionar-me e a
pensar se aquilo que já pensei pra mim é de fato o melhor caminho. Sou uma alma
inquieta. E mais uma vez a alma inquieta se lança sozinha. Arriscar começar ou
recomeçar. Não digo que deixo tudo pra trás, porque o que é meu, continuará
sendo meu nessa transição. Há uma segurança nesse meu lançar-me que antes não
havia. Quando mais nova, simplesmente ia. Até porque não havia nada
conquistado. Hoje, minhas conquistas estão comigo e eu não as abandono, mas as
deixo guardadas para iniciar um novo caminho. No trajeto eu hei de saber se
estou ganhando experiências e conquistas para juntar às que eu já tenho
guardadas ou se é de fato um novo caminho. Mas e não são sempre novos? Quando
voltar, se voltar, já não serei a mesma, disso tenho certeza.
Mas se por um lado admiro, como os
outros falam, a minha coragem e a minha vontade de ir, de me lançar, de
“arriscar caminho errado pela alegria de viver”, por outro, volto eu a não ter
tanta compaixão comigo mesma e a me olhar com olhos e julgamentos sociais que
aos poucos fui absorvendo. Triste, louca ou má por não seguir a receita
cultural? Não sigo. E não que eu tenha o direito de julgar quem segue alguma.
As pessoas têm desejos diferentes e encontram sua felicidade de forma
diferente. Eu mesma, já encontrei a minha “seguindo” tal receita. E
sinceramente? Já passei da fase de cuspir no prato que comi. Foi bom e tive
momentos muito felizes. No fim, não há receita. Não precisamos ser todas
desatinadas e seguirmos sozinhas. No nosso desatino, há sempre alguém que pode
estar junto, que pode estar disposto a seguir caminhos semelhantes e a lutar um
pelo outro. O que não podemos fazer, no fim, é fingir que tudo está bem e nos
acomodarmos com o que não está. E, bom, aqui não estava tão bom, por diversos
motivos. Vamos lá, traçar novos caminhos. Queimar o mapa, traçar novos
caminhos, se reinventar. “Um homem não me define. Minha casa não me define.
Minha carne não me define. Eu sou meu próprio lar.”
Ninguém sabe o que será, de
verdade, mas sei que terão anjos pelo caminho, que também respondem ao nome de
primos. E que eu também vou cuidar um pouco deles. Porque no caminho, o que
vale mesmo desatinar e andar caminho errado é quem está do nosso lado, nos
apoiando de alguma forma. Nós somos lar uns pros outros.
E hoje, 4 meses depois que cheguei, fazendo algo
para comer, escutei novamente a música que me inspirou a escrever esse texto. E
lembrei dele. Reli, me emocionei e tenho algumas coisas a dizer.
Queimar o mapa e traçar de novo a
estrada requer coragem e é dolorido. Mas tenho pra mim que sempre vale a pena.
Se algo não está bom, podemos mudar. Se acomodar ao que incomoda é dolorido
também, mas é uma dor que é sentida em conta gotas e o corpo vai se acostumando,
afinal, o ser humano se acostuma até com o que é ruim de uma forma impressionante.
Há um nome científico pra esse processo: chama-se habituação. Mesmo para situações
aversivas, a magnitude da resposta de esquiva ou fuga do estímulo pode diminuir
a depender do estímulo e da repetição dele. Um exemplo que facilita a compreensão
é: barulhos constantes deixam de irritar ou mesmo deixam de ser perceptíveis
com o passar do tempo.
Já mudar o que incomoda é algo
que requer lutar contra um incômodo e um processo de habituação. Requer encarar
o desconhecido que pode gerar empolgação, mas também gera ansiedade, medo e desconforto.
E, quem tem mais de 30 ou perto disso, sabe do que estou falando. Aos 20 ou
antes disso aparentemente tudo que é novo lhe parece bom. Depois de algumas
experiências dolorosas na vida, o medo do desconhecido aumenta. Talvez por isso
tenha escrito esse texto logo antes de vir. O medo e a ansiedade estavam aqui.
O que me esperava em Portugal? Hoje, com quatro meses aqui, eu penso que o que
me esperou aqui foi mais ou menos o que a gente já sabe da vida e já foi
traduzido em palavras por Guimarães Rosa: “esquenta e esfria, aperta e daí afrouxa, sossega
e depois desinquieta e o que ela quer da gente é coragem”. A vida em Portugal pode
não ser um mar de rosas, mas é uma vida tranquila e que apaixona facilmente quem
gosta de natureza e tranquilidade. Ou até tem muitas rosas, mas como em todas
elas, tem alguns espinhos.