A
Análise do Comportamento é uma abordagem da Psicologia que rompe com a visão
tradicional do homem como causador de um comportamento, reconhecendo o papel
fundamental do contexto em que ele ocorre e sua ação selecionadora. Para
Skinner (1981/2007), o comportamento é analisado a partir do modelo de seleção
pelas consequências, que é dividido
em três níveis: filogenético, ontogenético e cultural. No primeiro nível, o
homem é visto como um organismo fruto de processos biológicos evolutivos e o
comportamento é visto como um processo natural. Assim, nesse nível, o
comportamento é analisado a partir de suas origens genéticas. A ontogênese
refere-se à história de vida de um sujeito e se estuda como o comportamento foi
selecionado pelo seu contexto dentro de sua história de vida. O comportamento é
compreendido como selecionado pelo seu ambiente ao longo do tempo e é visto
como funcional, ou seja, todo comportamento possui uma função dentro do contexto
em que foi emitido. Já no nível cultural, o comportamento é estudado a partir
das influências que recebe em âmbito social e cultural e como a função de um
comportamento pode estar relacionada ao momento histórico-social em que está
inserido.
Crianças que são diagnosticadas com
o Transtorno do Espectro Autista – TEA, geralmente emitem comportamentos que
são vistos como “atípicos” ou “disfuncionais”, “estranhos”, dentre outros
adjetivos. Entretanto, para a análise do comportamento, os
comportamentos são todos funcionais na história de cada sujeito, não sendo,
como afirmam Banaco, Zamignani e Meyer (2010), compatível com uma divisão
classificatória comum em manuais médicos, com base apenas da topografia dos
comportamentos, e não em suas funções. E
se estamos nos propondo a analisar os comportamentos de uma criança autista a
partir de um olhar comportamental, é necessário que o analisemos a partir dos
três níveis de seleção pelas consequências. Para isso, vamos nos utilizar de
comportamentos denominados socialmente de estereotipias. Crianças autistas ou
com algum espectro autista tendem a emitir alguns comportamentos sem função
aparente, pois aparecem de modo aleatório e algumas vezes são “estranhos” e
muitas vezes “autolesivos”. Como analisar, por exemplo, o comportamento de uma
criança bater a cabeça na parede? Que criança o emite? Como é a sensibilidade
da criança em outras ocasiões? Em que contexto esse comportamento ocorre com
mais frequência? Quais as consequências que se seguem a ele? Como esse comportamento
é visto socialmente?
Primeiro é preciso pensar no
comportamento a partir do nível filogenético. É sabido que crianças com TEA
possuem uma sensibilidade genética diferente de pessoas denominadas “típicas”,
e pode ser maior ou menor. Nesse caso, ao observar esse comportamento, um
analista do comportamento precisa estar atento às perguntas feitas acima.
Entendamos que a criança desse exemplo possui uma baixa sensibilidade à dor,
por exemplo. (isso pode ser observado a partir de outras ocasiões em que a
criança foi submetida a dor.) Além disso, crianças com TEA possuem também uma
necessidade de auto-regulação e auto-estimulação. De acordo com alguns autistas
adultos, é assim que conseguem se organizar. Ora, isso é uma sensibilidade
genética. Assim, os comportamentos de estereotipia podem ser naturalmente
reforçadores e, se há uma baixa sensibilidade à dor, bater a cabeça na parede
pode ser naturalmente reforçador a partir da auto-estimulação, ao mesmo tempo
em que não tem consequências aversivas a curto prazo, já que não se sente tanta
dor.
Se pensamos nesse comportamento no
nível ontogenético é preciso observar o contexto em que o comportamento é
emitido, ou seja, é necessário estar atentos ao ambiente em que esse
comportamento se torna mais frequente e também as consequências que se seguem a
ele e podem estar fortalecendo sua emissão. Assim, se de acordo com o exemplo,
a criança bate a cabeça com mais frequência em ambientes em que o som esteja
alto ou que tenham muitas cores no ambiente e se a criança se desorganiza
nesses ambientes e tende a repetir o comportamento de bater a cabeça na parede,
pode ser que esse comportamento tenha a função de promover a reorganização, ou
seja, ao se auto-estimular, a criança foge das sensações aversivas que um ambiente
lhe traz. Assim, seu comportamento está sendo seguido por um reforço negativo,
já que está aumentando de frequência e tem a função de retirar algo aversivo do
ambiente.
Finalmente, se pensarmos no
comportamento no nível cultural, é preciso considerar como a sociedade em que
estamos inseridos classifica esse comportamento. Geralmente, ele é definido
como “bizarro” ou “estranho”, mas como foi visto, ele possui uma função.
Entretanto, se ele é visto como negativo, é possível que haja uma maior
tendência social a negá-lo, a diminuí-lo, a rechaçá-lo de alguma forma. Mas,
fica o questionamento: por que é tão necessário esconder que uma criança se
comporta de uma determinada forma? No caso de uma criança bater a cabeça, pode
trazer uma consequência aversiva a longo prazo, como uma lesão. Nesse caso,
pode-se pensar em alternativas que não levem a essa consequência, mas essa
alternativa provavelmente não parecerá “menos autista”, como por exemplo,
balançar a cabeça longe de uma parede ou bater palmas. Bonoli questiona, em um
blog que trata do tema (http://lagartavirapupa.com.br/maos-quietas-aba-e-estereotipias/), por que nossas crianças têm
que se parecer menos autistas para serem aceitas socialmente. Fica o
questionamento: nesse caso, o que precisa mudar? A sociedade ou o
comportamento?
Referências:
Banaco, R. A., Zamignani D. R. & Meyer, S. B. (2010). Função
do Comportamento e do DSM: Terapeutas Analítico Comportamentais Discutem a
Psicopatologia. Em E. Z. Tourinho & S. V. Luna (Orgs), Análise do
Comportamento: Investigações Históricas, Conceituais e Aplicadas. (pp.
175-191). São Paulo: Roca.
Skinner, B. F. (1981/2007). Seleção por conseqüências. Revista Brasileira de Terapia Comportamental
e Cognitiva, 9, 129-137. (Originalmente publicado em 1981).