segunda-feira, 11 de abril de 2016

Autismo, Sociedade e Análise do Comportamento


A Análise do Comportamento é uma abordagem da Psicologia que rompe com a visão tradicional do homem como causador de um comportamento, reconhecendo o papel fundamental do contexto em que ele ocorre e sua ação selecionadora. Para Skinner (1981/2007), o comportamento é analisado a partir do modelo de seleção pelas consequências, que é dividido em três níveis: filogenético, ontogenético e cultural. No primeiro nível, o homem é visto como um organismo fruto de processos biológicos evolutivos e o comportamento é visto como um processo natural. Assim, nesse nível, o comportamento é analisado a partir de suas origens genéticas. A ontogênese refere-se à história de vida de um sujeito e se estuda como o comportamento foi selecionado pelo seu contexto dentro de sua história de vida. O comportamento é compreendido como selecionado pelo seu ambiente ao longo do tempo e é visto como funcional, ou seja, todo comportamento possui uma função dentro do contexto em que foi emitido. Já no nível cultural, o comportamento é estudado a partir das influências que recebe em âmbito social e cultural e como a função de um comportamento pode estar relacionada ao momento histórico-social em que está inserido.


                                               

            Crianças que são diagnosticadas com o Transtorno do Espectro Autista – TEA, geralmente emitem comportamentos que são vistos como “atípicos” ou “disfuncionais”, “estranhos”, dentre outros adjetivos. Entretanto, para a análise do comportamento, os comportamentos são todos funcionais na história de cada sujeito, não sendo, como afirmam Banaco, Zamignani e Meyer (2010), compatível com uma divisão classificatória comum em manuais médicos, com base apenas da topografia dos comportamentos, e não em suas funções. E se estamos nos propondo a analisar os comportamentos de uma criança autista a partir de um olhar comportamental, é necessário que o analisemos a partir dos três níveis de seleção pelas consequências. Para isso, vamos nos utilizar de comportamentos denominados socialmente de estereotipias. Crianças autistas ou com algum espectro autista tendem a emitir alguns comportamentos sem função aparente, pois aparecem de modo aleatório e algumas vezes são “estranhos” e muitas vezes “autolesivos”. Como analisar, por exemplo, o comportamento de uma criança bater a cabeça na parede? Que criança o emite? Como é a sensibilidade da criança em outras ocasiões? Em que contexto esse comportamento ocorre com mais frequência? Quais as consequências que se seguem a ele? Como esse comportamento é visto socialmente?

                                       

            Primeiro é preciso pensar no comportamento a partir do nível filogenético. É sabido que crianças com TEA possuem uma sensibilidade genética diferente de pessoas denominadas “típicas”, e pode ser maior ou menor. Nesse caso, ao observar esse comportamento, um analista do comportamento precisa estar atento às perguntas feitas acima. Entendamos que a criança desse exemplo possui uma baixa sensibilidade à dor, por exemplo. (isso pode ser observado a partir de outras ocasiões em que a criança foi submetida a dor.) Além disso, crianças com TEA possuem também uma necessidade de auto-regulação e auto-estimulação. De acordo com alguns autistas adultos, é assim que conseguem se organizar. Ora, isso é uma sensibilidade genética. Assim, os comportamentos de estereotipia podem ser naturalmente reforçadores e, se há uma baixa sensibilidade à dor, bater a cabeça na parede pode ser naturalmente reforçador a partir da auto-estimulação, ao mesmo tempo em que não tem consequências aversivas a curto prazo, já que não se sente tanta dor.
            Se pensamos nesse comportamento no nível ontogenético é preciso observar o contexto em que o comportamento é emitido, ou seja, é necessário estar atentos ao ambiente em que esse comportamento se torna mais frequente e também as consequências que se seguem a ele e podem estar fortalecendo sua emissão. Assim, se de acordo com o exemplo, a criança bate a cabeça com mais frequência em ambientes em que o som esteja alto ou que tenham muitas cores no ambiente e se a criança se desorganiza nesses ambientes e tende a repetir o comportamento de bater a cabeça na parede, pode ser que esse comportamento tenha a função de promover a reorganização, ou seja, ao se auto-estimular, a criança foge das sensações aversivas que um ambiente lhe traz. Assim, seu comportamento está sendo seguido por um reforço negativo, já que está aumentando de frequência e tem a função de retirar algo aversivo do ambiente.

                                            

            Finalmente, se pensarmos no comportamento no nível cultural, é preciso considerar como a sociedade em que estamos inseridos classifica esse comportamento. Geralmente, ele é definido como “bizarro” ou “estranho”, mas como foi visto, ele possui uma função. Entretanto, se ele é visto como negativo, é possível que haja uma maior tendência social a negá-lo, a diminuí-lo, a rechaçá-lo de alguma forma. Mas, fica o questionamento: por que é tão necessário esconder que uma criança se comporta de uma determinada forma? No caso de uma criança bater a cabeça, pode trazer uma consequência aversiva a longo prazo, como uma lesão. Nesse caso, pode-se pensar em alternativas que não levem a essa consequência, mas essa alternativa provavelmente não parecerá “menos autista”, como por exemplo, balançar a cabeça longe de uma parede ou bater palmas. Bonoli questiona, em um blog que trata do tema (http://lagartavirapupa.com.br/maos-quietas-aba-e-estereotipias/), por que nossas crianças têm que se parecer menos autistas para serem aceitas socialmente. Fica o questionamento: nesse caso, o que precisa mudar? A sociedade ou o comportamento?

                               


Referências:

Banaco, R. A., Zamignani D. R. & Meyer, S. B. (2010). Função do Comportamento e do DSM: Terapeutas Analítico Comportamentais Discutem a Psicopatologia. Em E. Z. Tourinho & S. V. Luna (Orgs), Análise do Comportamento: Investigações Históricas, Conceituais e Aplicadas. (pp. 175-191). São Paulo: Roca.
Skinner, B. F. (1981/2007). Seleção por conseqüências. Revista Brasileira de Terapia Comportamental e Cognitiva, 9, 129-137. (Originalmente publicado em 1981).