segunda-feira, 22 de abril de 2019

Inquietações que acompanham imigrantes ou Triste, louca e Má?

Esse texto eu escrevi antes de vir pra Portugal. Resolvi revisá-lo e escrever um pouco mais para postar como forma de reacender minha inspiração para escrita, não necessariamente do blog, mas da minha tese de doutorado, que está passando por um inverno de duas semanas sem uma letrinha escrita.

Triste, louca ou má?

Têm sido dias reflexivos. E essa música me acompanha nas reflexões. Seria mentira dizer que essas reflexões iniciaram após a tão esperada decisão da minha licença e de uma passagem comprada. Ah, essas reflexões estão comigo há algum tempo, talvez desde o início desse doutorado. É bem verdade que elas ganharam força nesse ano, mas sempre me acompanharam. Uma pergunta que tenho comigo e que sempre me traz emoções diversas é: por que tão inquieta? Por que sempre em busca de algo novo e que me move? Por que sempre tão questionadora?

Não sei, mas o sou. Não aceito respostas prontas sem que eu tenha questionado e refletido nela. Talvez nem as que eu mesma tenha pensado como resposta. Estou sempre a questionar-me e a pensar se aquilo que já pensei pra mim é de fato o melhor caminho. Sou uma alma inquieta. E mais uma vez a alma inquieta se lança sozinha. Arriscar começar ou recomeçar. Não digo que deixo tudo pra trás, porque o que é meu, continuará sendo meu nessa transição. Há uma segurança nesse meu lançar-me que antes não havia. Quando mais nova, simplesmente ia. Até porque não havia nada conquistado. Hoje, minhas conquistas estão comigo e eu não as abandono, mas as deixo guardadas para iniciar um novo caminho. No trajeto eu hei de saber se estou ganhando experiências e conquistas para juntar às que eu já tenho guardadas ou se é de fato um novo caminho. Mas e não são sempre novos? Quando voltar, se voltar, já não serei a mesma, disso tenho certeza.

Mas se por um lado admiro, como os outros falam, a minha coragem e a minha vontade de ir, de me lançar, de “arriscar caminho errado pela alegria de viver”, por outro, volto eu a não ter tanta compaixão comigo mesma e a me olhar com olhos e julgamentos sociais que aos poucos fui absorvendo. Triste, louca ou má por não seguir a receita cultural? Não sigo. E não que eu tenha o direito de julgar quem segue alguma. As pessoas têm desejos diferentes e encontram sua felicidade de forma diferente. Eu mesma, já encontrei a minha “seguindo” tal receita. E sinceramente? Já passei da fase de cuspir no prato que comi. Foi bom e tive momentos muito felizes. No fim, não há receita. Não precisamos ser todas desatinadas e seguirmos sozinhas. No nosso desatino, há sempre alguém que pode estar junto, que pode estar disposto a seguir caminhos semelhantes e a lutar um pelo outro. O que não podemos fazer, no fim, é fingir que tudo está bem e nos acomodarmos com o que não está. E, bom, aqui não estava tão bom, por diversos motivos. Vamos lá, traçar novos caminhos. Queimar o mapa, traçar novos caminhos, se reinventar. “Um homem não me define. Minha casa não me define. Minha carne não me define. Eu sou meu próprio lar.”



Ninguém sabe o que será, de verdade, mas sei que terão anjos pelo caminho, que também respondem ao nome de primos. E que eu também vou cuidar um pouco deles. Porque no caminho, o que vale mesmo desatinar e andar caminho errado é quem está do nosso lado, nos apoiando de alguma forma. Nós somos lar uns pros outros.


 E hoje, 4 meses depois que cheguei, fazendo algo para comer, escutei novamente a música que me inspirou a escrever esse texto. E lembrei dele. Reli, me emocionei e tenho algumas coisas a dizer.
Queimar o mapa e traçar de novo a estrada requer coragem e é dolorido. Mas tenho pra mim que sempre vale a pena. Se algo não está bom, podemos mudar. Se acomodar ao que incomoda é dolorido também, mas é uma dor que é sentida em conta gotas e o corpo vai se acostumando, afinal, o ser humano se acostuma até com o que é ruim de uma forma impressionante. Há um nome científico pra esse processo: chama-se habituação. Mesmo para situações aversivas, a magnitude da resposta de esquiva ou fuga do estímulo pode diminuir a depender do estímulo e da repetição dele. Um exemplo que facilita a compreensão é: barulhos constantes deixam de irritar ou mesmo deixam de ser perceptíveis com o passar do tempo.
Já mudar o que incomoda é algo que requer lutar contra um incômodo e um processo de habituação. Requer encarar o desconhecido que pode gerar empolgação, mas também gera ansiedade, medo e desconforto. E, quem tem mais de 30 ou perto disso, sabe do que estou falando. Aos 20 ou antes disso aparentemente tudo que é novo lhe parece bom. Depois de algumas experiências dolorosas na vida, o medo do desconhecido aumenta. Talvez por isso tenha escrito esse texto logo antes de vir. O medo e a ansiedade estavam aqui. O que me esperava em Portugal? Hoje, com quatro meses aqui, eu penso que o que me esperou aqui foi mais ou menos o que a gente já sabe da vida e já foi traduzido em palavras por Guimarães Rosa:  “esquenta e esfria, aperta e daí afrouxa, sossega e depois desinquieta e o que ela quer da gente é coragem”. A vida em Portugal pode não ser um mar de rosas, mas é uma vida tranquila e que apaixona facilmente quem gosta de natureza e tranquilidade. Ou até tem muitas rosas, mas como em todas elas, tem alguns espinhos.



4 meses depois: Ainda bem que eu estava ansiosa. Afinal, é sinal de que ainda tenho medo do desconhecido e não sou tão louca quanto me julgam. Mas ainda bem que não me acomodei ao que incomodava: cada dia que passa, mesmo com toda a saudade e problemas, eu tenho mais certeza da escolha que fiz. E eu estava bem certa sobre os anjos que também respondem como primos. Tão certa que adicionei primos e anjos a essa conta.





quinta-feira, 18 de abril de 2019

As saudades que imigrantes têm


"Tem dias que a gente se sente como quem partiu ou morreu... a gente estancou de repente ou foi o mundo então que cresceu? A gente vai contra a corrente, até não poder resistir. Na volta do barco é que sente o quanto deixou de cumprir."
  

Saudades de imigrantes têm um outro sabor. Tem uma outra dor. Tem um outro sentido. As saudades de morar longe de casa, de amigos e da família eu já tinha e já sentia. Já havia me acostumado um pouco a ter saudades e a lidar com ela. Marcava-se uma passagem nos feriados e aproveitava-se o bom de um lado e de outro. Sabíamos-nos próximos o suficiente para resolver pequenas coisas. 

Mas a saudade de se ter um oceano inteiro de distâncias, ah, essa é amarga. Há dias em que ela quase não existe. Há dias que você só percebe as coisas boas de estar longe do seu país. Há dias em que você quase não lembra. Mas há dias que a saudade vem e atravessa a sua alma. Nesses dias, não há muito o que fazer a não ser se aquietar, ter boas companhias e respeitar seus sentimentos e seu corpo. Não há como fugir. Nesses dias cada um tem a receita do que fazer. Eu, por vezes, fecho portas e janelas e me escondo em uma caverna. Bebo um bom vinho e como as boas comidas que Portugal me oferece. Noutros, continuo meu caminho, meus estudos ou minhas tentativas, vou correr, escuto música. Aparentemente feliz e animada. Mas a saudade continua ali, ardendo. As músicas fazem as lágrimas escorrer. 


Ao olhar fotos antigas hoje eu lembrei do calor que senti no dia da foto, tive até mesmo a sensação de tê-lo novamente, mas apenas por instantes, pois na doce tarde primaveril de 15 graus não há como sentir muito calor. Logo após, o frio sentido não é mais de 15 graus, é um frio na alma. E nesse momento eu senti falta do suor do calor brasileiro. Aquela gota de suor que escorre pela pele em uma caminhada curta. Explico: não, eu não gosto desse suor e da sensação de estar suada. Ou ao menos não gostava. Ela incomodava muito. Ou "imenso" como os portugueses gostam de dizer. Tinha vontade de jogar água gelada em mim a todo instante. Mas hoje, hoje eu senti falta dessa gotinha de suor pingando. 


Não era a gota, mas o que ela representava. O calor de estar de novo com brasileiros amigos, o calor de estar novamente com os meus, com a minha cultura. O calor da nossa fala, do nosso jeito de falar e pensar, o calor do Brasil. Ao falar isso pra algumas pessoas, sempre há as reflexões sobre não valer a pena voltar. Sei disso, e ah, como sei. Não, não quero voltar. Sentir saudades de um lugar não significa querer voltar a morar novamente lá. Quero continuar aqui, mesmo no frio, mesmo com alguns preconceitos tugas, alguns olhares tortos ao meu sotaque. Gosto muito daqui. Adapto-me fácil a um lugar em que posso andar e correr na rua sem medo, que posso ter árvores e gramas por perto. 



E bem, uma parte minha já tinha ficado aqui: a minha família zuca que agora também é meio tuga. E aí, mesmo nos momentos que posso querer chorar sozinha, isso já não é muito possível, porque sempre tem um abraço por perto, um áudio, um convite pra uma série ou um filme, um prato com um lanche ou uma sobremesa.  E assim vamos seguindo, cuidando uns dos outros. Há dias que o vinho terá apenas um gosto pra aplacar as lágrimas. Como há dias em que ele vai ter o gosto maravilhoso do vinho tuga. Entre esses dias, permanecemos aqui, tentando traçar nosso caminho, mesmo que a roda-viva em algum momento nos leve pra outros lugares ou saudades.


quinta-feira, 11 de abril de 2019

Corações partidos e marcas a adquirir



Li em algum lugar agora há pouco que corações seriamente quebrados nunca são completamente recuperados, assim como alguns ossos do corpo quebrado que nunca mais serão os mesmos, mas as pessoas vivem suas vidas sem lembrar deles, lembrando apenas em alguns movimentos que agora são diferentes. Como partes de corpo com algumas dores e inflamações crônicas, que podem voltar a doer no tempo frio ou com alguns movimentos repetitivos.
Na verdade, não somos mais os mesmos depois de algumas experiências. Coração partido é apenas uma delas. Mas também não somos mais os mesmos depois de morar sozinhos. Não somos mais os mesmos depois de fazer um curso interessante e que nos fez refletir sobre muita coisa. Como também não somos mais os mesmos depois de uma experiência religiosa. As pessoas que são mães e pais também afirmam que após o serem também nunca mais serão os mesmos, independente de como estejam os filhos.

Estamos em constante movimento. E na iminência da mudança das estações, árvores mudam completamente de um dia pro outro. E algumas levam marcas antigas em seus troncos. Mas continuam ali, florescendo na primavera e perdendo suas folhas no outono, permanecendo desfolhadas em um tempo de resistência, mas também permanecendo floridas enquanto o tempo lhe permitir.
E aí, independente de não sermos mais os mesmos, de levarmos marcas que nos acompanharão, viveremos novamente e passaremos por outras situações. Algumas nos farão lembrar outras. Outras, serão completamente diferentes e nos farão ter outras marcas. Algumas podem não ser tão profundas. A verdade é que aprendemos a lidar de diferentes formas às experiências. Aprendemos a reconhecer algumas situações e alguns sinais. Minha mãe e minha avó costumavam dizer que sinal de chuvas longas eram formigas com asa ou mosquitos. Já Luiz Gonzaga foi um pouco mais poeta e lembrou das flores de mandacaru que antecedem as chuvas no sertão. De onde eu vim era assim, mas aqui em Portugal já não sei reconhecer sinais que antecedem as grandes chuvas e não lembro de ter visto uma só formiga ou mosquito anunciando chuvas no inverno. Posso passar tempos sem ver formigas com asas. Mas no dia que vê-las, vou lembrar e procurar outros sinais que pareçam com as situações que antecedem as grandes chuvas no Nordeste Brasileiro. 


Quem já passou por experiências dolorosas aprende a ver alguns sinais e a evitar algumas situações. Já dizia outra frase da minha mãe e da minha avó: gato escaldado tem medo de água fria. É verdade que não podemos deixar o medo nos paralisar. Não é porque tive uma ou algumas situações ruins que todas as outras serão assim. Ou serão boas por algum tempo. E quando começar a fazer mal é hora de perceber os sinais que antecedem coisas ruins. É possível que ainda fiquem dores. E tudo bem senti-las novamente. Saber reconhecer alguns sinais de algo doloroso não nos torna insensíveis a elas. E que bom que não. A dor é importante pra nos avisar que há algo errado e que é preciso cuidar.