"Tem dias que a gente se sente
como quem partiu ou morreu... a gente estancou de repente ou foi o mundo então
que cresceu? A gente vai contra a corrente, até não poder resistir. Na
volta do barco é que sente o
quanto deixou de cumprir."
Saudades de imigrantes têm um
outro sabor. Tem uma outra dor. Tem um outro sentido. As saudades de morar longe de casa, de amigos e da família eu já tinha e já sentia. Já havia me acostumado um pouco a ter saudades e a lidar com ela. Marcava-se uma passagem nos feriados e aproveitava-se o bom de um lado e de outro. Sabíamos-nos próximos o suficiente para resolver pequenas coisas.
Mas a saudade de
se ter um oceano inteiro de distâncias, ah, essa é amarga. Há dias em que ela
quase não existe. Há dias que você só percebe as coisas boas de estar longe do
seu país. Há dias em que você quase não lembra. Mas há dias que a saudade vem e
atravessa a sua alma. Nesses dias, não há muito o que fazer a não ser se aquietar,
ter boas companhias e respeitar seus sentimentos e seu corpo. Não há como
fugir. Nesses dias cada um tem a receita
do que fazer. Eu, por vezes, fecho portas e janelas e me escondo em uma
caverna. Bebo um bom vinho e como as boas comidas que Portugal me oferece.
Noutros, continuo meu caminho, meus estudos ou minhas tentativas, vou correr, escuto
música. Aparentemente feliz e animada. Mas a saudade continua ali, ardendo. As
músicas fazem as lágrimas escorrer.
Ao olhar
fotos antigas hoje eu lembrei do calor que senti no dia da foto, tive até mesmo
a sensação de tê-lo novamente, mas apenas por instantes, pois na doce tarde primaveril
de 15 graus não há como sentir muito calor. Logo após, o frio sentido não é mais de
15 graus, é um frio na alma. E nesse momento eu senti falta do suor
do calor brasileiro. Aquela gota de suor que escorre pela pele em uma caminhada
curta. Explico: não, eu não gosto desse suor e da sensação de estar suada. Ou
ao menos não gostava. Ela incomodava muito. Ou "imenso" como os portugueses gostam de dizer. Tinha vontade de jogar água gelada
em mim a todo instante. Mas hoje, hoje eu senti falta dessa gotinha de suor pingando.
Não era a gota, mas o que ela representava. O calor de estar de novo com
brasileiros amigos, o calor de estar novamente com os meus, com a minha cultura.
O calor da nossa fala, do nosso jeito de falar e pensar, o calor do Brasil. Ao falar isso pra algumas
pessoas, sempre há as reflexões sobre não valer a pena voltar. Sei disso, e ah,
como sei. Não, não quero voltar. Sentir saudades de um lugar não significa querer
voltar a morar novamente lá. Quero continuar aqui, mesmo no frio, mesmo com alguns
preconceitos tugas, alguns olhares tortos ao meu sotaque. Gosto muito daqui.
Adapto-me fácil a um lugar em que posso andar e correr na rua sem medo, que
posso ter árvores e gramas por perto.
E bem, uma parte minha já tinha ficado
aqui: a minha família zuca que agora também é meio tuga. E aí, mesmo nos
momentos que posso querer chorar sozinha, isso já não é muito possível, porque
sempre tem um abraço por perto, um áudio, um convite pra uma série ou um filme,
um prato com um lanche ou uma sobremesa. E assim vamos seguindo, cuidando uns dos outros. Há dias que o vinho terá apenas um gosto pra aplacar as lágrimas. Como há dias em que ele vai ter o gosto maravilhoso do vinho tuga. Entre esses dias, permanecemos aqui, tentando traçar nosso caminho, mesmo que a roda-viva em algum momento nos leve pra outros lugares ou saudades.
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