É a primeira vez que vejo e
acompanho a mudança de estações. É meu primeiro inverno. Será minha primeira
primavera. Antes disso, cheguei a passar alguns dias viajando no que eu chamei
de fria primavera chilena e argentina. Mas essa é de fato a primeira vez que
acompanho as estações. E o mais bonito que estou achando: a mudança delas. Períodos
quentes de um fim de inverno, novas tempestades e as primeiras folhas e flores
nascendo: “Tu vens, tu vens, eu já escuto os teus sinais.” Ao mesmo tempo que o
inverno se despede, a primavera vai nascendo e vai mostrando sua beleza.
As arvores têm me ensinado a
resistência do tronco. É necessário perder as folhas pra resistir aos períodos
de vento forte, chuva, frio e ausência, ou pelo menos fraca presença da fonte do
seu alimento, o sol. Perdem-se as folhas, fica um tronco nu, com aparência não
tão admirada. Eu, por mim, talvez porque nunca tivesse visto de tão perto, vi a
beleza de estarem assim, nus, sem folhas, mas essencialmente árvores. A árvore
não deixa de ser árvore por estar sem folhas. Talvez fiquem mais parecidas
entre si, nos deixando com dificuldades de perceber suas diferenças e sua
espécie de folha, rosas ou frutos, mas continuam árvores.
Esses últimos dias de inverno,
que têm sido mais frios e com vento forte, me ensinaram outra coisa sobre a
resistência das árvores no inverno. Em uma noite com um vento que chegou a
uivar na janela, pensei e comentei com uma amiga: a impressão que tenho é que
amanhã não restará uma árvore em pé. Na verdade, sem exageros, cheguei mesmo a
ter medo e imaginei que no outro dia visse algumas árvores caídas. No outro
dia, vi uma tímida claridade por entre as frestas da janela e a abri. Uma tímida
luz do sol tentava lutar entre nuvens que ainda pareciam espessas de chuva. O
vento tinha diminuído. E, ao olhar pras árvores, a surpresa não foi apenas encontra-las,
mas vê-las com mais folhas nascendo e com coloração mais verde. Algumas, com
flores tímidas, como se viessem saudar o sol. E resolvi observar: a verdade é
que nesse mês de março, todo dia as árvores me parecem mais verdes. Todo dia,
tenho a impressão de ter visto novas flores. Quase sempre tenho ido caminhar
ou correr mesmo no frio. E já vinha acompanhando o nascer de folhinhas tímidas,
em um tom verde-claro que vão se tornando maiores e com tom de verde mais
escuro. E nesses dias tenho lembrado de Cecília Meireles: “aprendi com a
primavera a deixar-me cortar e a voltar sempre inteira.” E pensei que talvez
fosse isso que as árvores vieram me ensinar: deixaram-se cortar pra resistir a
períodos de vento forte, chuva e escassez de sol e calor para voltarem inteiras
e vistosas na primavera.
Guimarães Rosa já tinha me ensinado
que “o correr da vida embrulha tudo (...) esquenta e esfria, aperta e daí afrouxa,
sossega e depois desinquieta e o que ela quer da gente é coragem”. E aí penso:
há quanto tempo essas árvores cá estão aguentando esse esquentar e esfriar,
esse apertar e afrouxar das estações do ano? Há quanto tempo essas árvores cá
estão aguentando vento forte, chuva, frio e sol “fraco”? É possível que os
primeiros tenham sido mais difíceis. Não sei. Elas não me contam essa parte ou
ainda não as aprendi a observá-las tão bem a ponto de compreender seu passado. Ou, talvez, sejam como algumas pessoas que por
aqui já encontrei e que dizem que nunca vão se acostumar completamente a esse
frio. Mas, fato é que a vida exige delas coragem e elas têm. E nos mostram isso.
E, por hora, o meu aprendizado
esses dias de imigração/mudança de ares, de país, de atividades e de estações
de ano é: é necessário deixar-se cortar pra resistir mais facilmente a períodos
de inverno na alma. Deixar cortar sabores que já não são tão fáceis ou mesmo
possíveis. Deixar perder presenças físicas. Deixar perder a voz e um sotaque ao
qual estamos acostumados. Deixar perder, talvez, até pessoas que não consigam
resistir ao afastamento. Deixar perder pra resistir. Deixar-se desnudar de
sabores que até então considerava essenciais. E aprender a se ver em uma nova
essência. Desconstrução e reconstrução. Pensando bem, eu já vivi outros invernos.
Talvez não tão físicos. E a presença física dele nos faz ter certeza que é
preciso coragem pra enfrenta-los. E quando a gente menos esperar, talvez nasça
uma flor. Quem sabe um jardim.