domingo, 21 de agosto de 2016

A vida, o recomeço e a importância dos pais na construção de um repertório comportamental

Esses dias venho pensando na questão do recomeço e de como ele é importante. Na verdade, o importante é ter a habilidade de recomeçar ou de viver um recomeço necessário. Na Análise do Comportamento, poderíamos chamar de repertório comportamental para recomeços. Mas por que é tão importante assim? Bom, primeiro, se a gente parar para analisar a nossa própria vida, vamos descobrir que ela não é exatamente muito estável e que por vezes é digna de uma série de aventuras do Netflix. Se sairmos da nossa vida e olharmos para as mudanças ocorridas no nosso país e no mundo nos últimos 30 anos, aí sim, poderíamos comparar a diversas séries. Há quem diga, por exemplo, que os últimos acontecimentos políticos do Brasil estavam ganhando de “House of cards”.

Talvez o período de vida mais estável seja a infância, e não porque essa fase do desenvolvimento seja exatamente estável, mas porque geralmente contamos com a proteção dos adultos para lidar com os problemas maiores. (Nem sempre essa é a realidade, infelizmente, e muitas crianças precisam lidar com problemas outros na infância. Alguns deles acabam desenvolvendo esse repertório de que fala o texto da forma mais difícil, outros, entretanto, por exposição a problemas demais, acabam desenvolvendo outros problemas, mas aí a discussão fica pra outro texto!!!) Na adolescência, entretanto, é saudável que os pais/adultos responsáveis deixem que o jovem vá descobrindo e lidando com as descobertas, e aí começa um turbilhão, para além das descobertas do próprio corpo. Trata-se de uma fase de descobertas e das primeiras vivências de instabilidades, das primeiras das muitas mudanças da vida que a pessoa terá que passar e administrar. 
Na análise do comportamento, chamamos as nossas reações frente a situações de mudança brusca de resistência à extinção ou resistência à mudança. Como assim? Bom, em toda e qualquer situação na vida existem reforçadores ou alguma forma de de prazer. Se emitimos um comportamento, é porque ele está sendo reforçado ou existe a probabilidade de reforçamento na contingência ou situação, ou seja, há um ganho provável de prazer ali. E se essa contingência ou situação mudar, por mais que venhamos a ter outros reforçadores e que eles sejam inclusive de maior magnitude ou valor, vamos passar pela perda de alguns, ou seja, a extinção. E, geralmente, na extinção, temos a resistência a extinção. A resistência à extinção nada mais é do que uma tentativa de obter o reforço novamente. Ou seja, é uma resistência à mudança da contingência. As pessoas reagem de diversas formas a essas mudanças. Seja simplesmente reclamando e chorando a perda do reforçador (a forma mais comum) ou fazendo algo de efetivo para retomar o reforçador de alguma forma.




     E as pessoas vão reagir de diferentes formas a essas mudanças por mais que elas sejam bem semelhantes. E por que? Pelas diferentes formas como foram ensinadas a reagir às pequenas mudanças da vida. Se quando adolescentes os pais sempre deram reforço por pequenos esforços, ou seja, acabaram por não ensiná-lo a se esforçar, ele tende a desistir em pequenas dificuldades. E por que? Porque não está acostumado. Mas e se nas situações do dia a dia o adolescente e jovem tiver que lidar com o fracasso algumas vezes e entender que a vida tem sim seus momentos difíceis e não é sempre que seus pais poderão lhe dar aquilo que ele quer e que pra isso terá que se esforçar, provavelmente se tornará um adulto que conseguirá lidar melhor com as mudanças da vida. Muitas vezes, o desafio dos pais está em deixar as crianças aprenderem com as consequências dos seus próprios comportamentos. Skinner, ao se referir a si mesmo com relação a sua própria filha, disse:
"em meu afã de ajudar a menina, destruo as contingências que a ensinariam a ajudar-se a si mesma. Por exemplo, separo os galhos que lhe batem no rosto e a privo da oportunidade de aprender a evitá-los. Ponho-lhe as meias e a privo de que aprenda a fazê-lo por si mesma (Skinner, 1980, p. 12).
Assim, se há um legado que podemos deixar para nossos filhos talvez seja esse. O aprender a recomeçar. O que Cecília Meireles já falou poeticamente: aprender com a primavera a deixar-se cortar e a voltar sempre inteira. Não é fácil, mas o caminho está em deixar pequenas dificuldades para que eles a conheçam. Pequenos espinhos para que eles se cortem e, por mais que esse sangue doa em nós agora, mais tarde, eles já conheçam um pouco dessa dor e consigam lidar melhor com ela.