domingo, 26 de abril de 2020

Vamos conversar sobre produtividade na quarentena?






As vezes vejo umas postagens sobre como aproveitar a quarentena pra fazer cursos e aprender coisas novas. Outras sobre aproveitar o tempo e fazer o que você sempre disse que não teria tempo. Já cheguei mesmo a ver uma que dizia que se você não fizer algumas coisas na quarentena, você não tem disciplina.
Por outro lado já li reportagens e textos que falam pra não entrarmos na pressão de produzir tudo que você não conseguia. E falam que muitos vão conseguir sentar e escrever artigos maravilhosos. E outros não. E o importante é não se sentir pressionado a isso. Por que?



Vamos refletir: Há a sensação de que estamos todo no mesmo barco e sofrendo nessa quarentena. Não, não estamos. Ou como já vi um meme: o titanic era só um, mas tinham vários estágios. E não falo só de classe social, o que por si só já nos coloca em patamares diferentes para o enfrentamento do covid. Falo de experiência de vida em situações difíceis, o que na psicologia chamamos de coping. O que você fez em outras situações de crise? Que comportamentos teve de desenvolver para sair dela? É hora de lembrar dos nossos piores dias e lembrar o que fizemos para que eles passassem.

Voltando para o assunto produtividade: você está conseguindo se organizar pra produzir? Que maravilha! Não está produzindo tanto quanto gostaria? Comemore as pequenas vitórias. Você não está conseguindo produzir nada? Tudo bem. Você está vivo no meio de uma pandemia que já matou mais de 200 mil pessoas. E os números de covid cada vez mais viram nomes e rostos de pessoas que você conheceu. Então é natural ter medo e ansiedade, que são inimigos de produtividade.




O que eu quero dizer com tudo isso é: quer tentar produzir? Existem alguns métodos que podem te ajudar. Mas o primeiro passo é aceitar que não é porque você tá em casa e com “tempo disponível” que você vai se tornar o próximo Bill Gates. Depende de como você está, de quanta pressão está a enfrentar nesse momento. E está tudo bem você não conseguir ou você precisar de ajuda pra isso. Não precisa se culpar. E nem achar que tem algo errado com você.


Voltando ao coping: a depender da sua idade, você já passou por muita coisa nessa vida. Já deve ter tido provas difíceis pra estudar, achou que não conseguiria e conseguiu. Já deve ter chorado de ficar com a cara inchada. E voltou a dar risadas fenomenais. Então, se você conseguiu sobreviver aos piores dias da sua vida, agora a vida te chama a conseguir sobreviver a uma pandemia. E enquanto sobrevive, vive, estuda, ama, trabalha. É difícil? Muito. Mas você já conseguiu muito. Pode conseguir fazer isso também.



domingo, 22 de dezembro de 2019

Mudaram as estações... e muita coisa mudou



E oficialmente começa o inverno. O meu segundo. Que venha. Quis escrever algumas coisas sobre o outono, mas não consegui parar e escrever. Então hoje despeço-me dele. A sensação de viver o outono tinha um certo quê de poesia pra mim. Todas as pessoas que já estavam aqui em Portugal me diziam que era a sua estação favorita ou a estação mais bonita. As árvores com parte das folhas laranjas/amarelas a cair. Sim, o outono é lindo. Mas eu não sabia como ele era. Eu só sabia que as folhas caíam, mas nem ao menos entendia direito o porquê, já que até as explicações científicas sobre isso não ficaram bem guardadas na memória, já que quatro estações do ano bem definidas nunca foram realidade pra mim. Como dizemos nas nossas brincadeiras com base na realidade, de onde eu venho temos duas estações: o verão e o forno.



Bom, meu outono real apresentou-me a chuva seguida por cinco ou seis semanas. Foram dias sem ver o sol. Algumas chuvas de granizo anunciavam-me que se o inverno que eu cheguei tinha sido “tranquilo”, como muitos disseram, esse já não deve ser tão tranquilo assim. O frio havia chegado cedo. E eu passei a entender textos académicos que tinha lido acerca da relação entre chuva, frio e depressão. Eu perguntava-me o quanto as estações realmente influenciavam no nosso humor. Eles passaram a fazer muito sentido para mim. A chuva constante, o vento das tempestades e o frio não anima as pessoas a saírem de casa, a não ser que seja estritamente necessário. E bom, obrigação e má vontade não deixa ninguém simpático, não é?

Sair menos de casa e falar menos com as pessoas obriga-nos a conviver mais consigo mesmo. E bem, é preciso saber conviver em solidão e transformá-la em “solitude”, achar companhia em si mesmo, com nossos medos construídos e alimentados ao longo da vida. Como diz a brincadeira sobre a ansiedade, que pode estar presente nesses dias mais solitários, o mal do ansioso é achar que tudo é sobre ele. E conviver mais consigo pode nos levar a achar que muita coisa é sobre nós, quando nem é. Que muita coisa não tem solução, quando tem.



O outono real chamou-me a valorizar mais os dias de sol as nossas possibilidades de vida. O outono tem sim uma beleza indescritível com as folhas laranjas nas árvores e uma poesia bucólica que me fez parar nas ruas para admirar as cores das folhas e das árvores. Não foram momentos tão comuns, já que nem sempre era possível passear tranquilamente pela rua, mas os que me foram possíveis, fizeram valer a passagem pelo outono.


Acabou o ano, mudaram as estações... e ao contrário da música, muita coisa mudou. Não só nas estações e nas aparências. As folhas renasceram, vieram as flores, os arco-íris, o calor, o verão, a praia e um acampamento. Chegou o outono com um friozinho gostoso no início, que logo deu lugar a semanas de chuva e frio e agora cá estamos com o inverno de novo. Mas para além disso, nas estações eu fui me descobrindo em uma nova roupagem e fui descobrindo como é viver em Portugal. Tive e tenho certeza que ainda terei muitos contratempos e muitas dificuldades. Mas foi um ano maravilhoso. Abaixo, as fotos de árvores bastante observadas no meu caminho e que me fazia parar e refletir às vezes. A frase que sempre me vem à mente é a da poeta carioca Cecília Meireles: "aprendi com a primavera a deixar-me cortar e a voltar sempre inteira". A oportunidade de ver o o quanto as árvores mudam no decorrer dos dias e das estações, mas permanecem ali, e, em algum momento, voltam a estar inteiras fazem-me refletir sobre o quanto podemos mudar e nos adaptar ao momento que vivemos, mas ao mesmo tempo, permanecemos inteiros.


terça-feira, 1 de outubro de 2019

Um reflexão sobre ser mulher a partir da leitura do livro "Mulheres que correm com os lobos"


“Os lobos saudáveis e as mulheres saudáveis têm certas características psíquicas em comum: percepção aguçada, espírito brincalhão e uma elevada capacidade para a devoção. Os lobos e as mulheres são gregários por natureza, curiosos, dotados de grande resistência e força. São profundamente intuitivos e têm grande preocupação para com seus filhotes, seu parceiro e sua matilha. Tem experiência em se adaptar a circunstâncias em constante mutação. Têm uma determinação feroz e extrema coragem." (pág. 7)


Esse trecho é do livro “mulheres que correm com lobos”, da Clarissa Pinkola Estes. Há algum tempo me debruço sobre ele sempre que ando às voltas sobre questionamentos do feminino. Traz considerações extremamente interessantes sobre o arquétipo feminino. Dentro do mundo acadêmico da psicologia, sempre fui mais voltada à análise do comportamento e não à psicologia junguiana, que estuda mais fortemente a questão dos arquétipos. Entretanto, na minha vida profissional tentei sempre buscar a abertura e tentar relacionar outros assuntos à visão de mundo e de homem da Análise do Comportamento. Afinal, já disse Skinner: “não aceite a verdade eterna, experimente”. A vida de uma questionadora, curiosa e metida a pesquisadora perpassa pelas coisas novas que as reflexões nos convidam.
E eis que mais recentemente, diante de algumas questões que estão acontecendo na minha vida pessoal e profissional, deparei-me novamente com a leitura desse livro e a reflexão do ser mulher. O que é ser mulher? Talvez aqui cada uma de nós responda a essa forma de um modo diferente. Algumas podem trazer questões relacionadas a uma feminilidade tradicional. Outras, podem refletir que se trata de força e superação diária frente aos preconceitos enfrentados diariamente em nossa sociedade. Mas nesses diferentes discursos, não há nada que possamos encontrar de comum? A forma como cada uma de nós encontra de ser mulher não traz uma questão comum?


Nesses momentos eu gosto sempre de me lançar à história. Historicamente, nós mulheres sempre tivemos uma certa orientação social de como deveríamos nos portar. Afinal de contas, o que eram as revistas dos anos 50 sobre como a mulher deveria tratar o marido ou cuidar da casa de uma determinada forma? Houve sempre uma certa orientação para que estivéssemos à sombra ou à margem de uma sociedade. Mas nem todas as mulheres comportaram-se assim. Debruçando-se sobre a história de diversas áreas é sempre possível encontrar mulheres que se dedicavam a fazer trabalhos que eram, em sua maioria, ocupados por homens. No nascimento de novas perspectivas, como a química ou a física moderna, a psicologia enquanto ciência, o cinema, a arte, sempre, se buscarmos, vamos encontrar nomes femininos no meio de tantos nomes masculinos. Houve tentativas de silenciamento delas? Claro. Mas elas resistiram. E hoje são resgatadas pelo movimento feminista como forma de dar visibilidade.

Talvez seja esse um denominador em comum diante de tantos diferentes discursos sobre o que é ser mulher. A resistência. Clarissa Estes fala isso ao refletir sobre a mulher selvagem, ao dizer que uma das características presentes na mulher e no lobo é a resistência e a força. Ao usar o termo mulher selvagem, a autora reflete ainda que essas palavras refletem o significado de tocar o instrumento do nome para abrir uma porta. Abrir passagem. E é isso que nós mulheres fizemos e continuamos a fazer. Abrir passagens.

sábado, 27 de julho de 2019


“A gente estancou de repente ou foi o mundo então que cresceu? (...)

“No peito a saudade cativa
Faz força pro tempo parar
Mas eis que chega a roda viva
E carrega a saudade prá lá ...”

Essa música do Chico me transporta para tantos lugares e tantas situações diferentes, que não há como encontrar um significado fácil dela para minha vida. Mas ela sempre traz uma ideia de quebra de ciclos. E na quebra de ciclos, há sempre recomeços.
Talvez muitos não entendam a minha eterna necessidade de se lançar em busca de algo novo e melhor, porém incerto para minha vida. Talvez muitos não entendam por que eu não cumpro ou pelo menos tento não cumprir a receita e permanecer em uma vida “ok” e relativamente estável. Conversando com uma amiga sobre isso, ao dizer que as vezes pensava que estava fazendo uma loucura, ela me disse: "e você não se acostumou ainda que É louca? Vai e faz teu rumo". 
 Mas talvez muitos consigam perceber o que eu digo. Depois de um tempo em um país novo, você encontra, se aproxima e faz amizades com seus iguais, os imigrantes e que vieram em busca de algo melhor. Não é fácil sair de um país, sair de sua terra, de sua origem. Todos têm muitos motivos para isso. Alguns são bem parecidos. Outros nem tanto. Mas em geral todos vêm em busca de algo que há algum tempo o Brasil não tem: qualidade de vida. Também eu vim. E encontrei.

Mas ao mesmo tempo que encontro qualidade de vida, encontro também a dificuldade de arriscar o novo. E como todo recomeço, como toda aprendizagem, há as quedas, há a angústia. Esses dias eu vi uma criança caindo de bicicleta na rua e chorando. O pai tentava consolar a criança e a incentivava a tentar novamente. Ao meu lado, um amigo português riu e disse: ah, ainda vai cair bastante. Eu observei e comentei: ele ainda está aprendendo. E ele: Sim, mas para aprender ainda vai cair muito, então tem que se levantar para aprender novamente. Era apenas uma criança “a aprender” andar de bicicleta. Mas automaticamente eu fiquei pensando na minha angústia que tinha levado ao convite de sair com ele para conversar: dificuldades de adaptação no país, dúvidas do que fazer, decisões a serem tomadas.

Também eu estou aprendendo novas habilidades: de como desenrascar-me em Portugal. Como viver em Portugal? Há muitas possibilidades. E eu estou procurando a minha. E se tenho a sensação de que estou fazendo tudo que posso, muitas vezes também tenho a sensação de que algumas coisas parecem não andar. Daí a sensação de que a vida estancou. Mas há sempre a outra possibilidade: não terá sido o mundo que cresceu?

Ironicamente, Portugal é bem menor em extensão e população que o Brasil. Mas mudar é aprender um mundo completamente novo. E ah, meu mundo cresceu muito desde que vim para cá. São apenas 7 meses de Portugal. Mas são sete meses de expansão de ideias e de possibilidades. São sete meses de permitir-se reinventar para aprender o que esse mundo tem a me apresentar.
Bom, então, vamos levantar para aprender as novas habilidades que preciso para viver cá. Desejem-me capacidade para recomeçar quantas vezes for preciso, porque recomeçar parece ser o verbo mais presente na nossa vida.

segunda-feira, 22 de abril de 2019

Inquietações que acompanham imigrantes ou Triste, louca e Má?

Esse texto eu escrevi antes de vir pra Portugal. Resolvi revisá-lo e escrever um pouco mais para postar como forma de reacender minha inspiração para escrita, não necessariamente do blog, mas da minha tese de doutorado, que está passando por um inverno de duas semanas sem uma letrinha escrita.

Triste, louca ou má?

Têm sido dias reflexivos. E essa música me acompanha nas reflexões. Seria mentira dizer que essas reflexões iniciaram após a tão esperada decisão da minha licença e de uma passagem comprada. Ah, essas reflexões estão comigo há algum tempo, talvez desde o início desse doutorado. É bem verdade que elas ganharam força nesse ano, mas sempre me acompanharam. Uma pergunta que tenho comigo e que sempre me traz emoções diversas é: por que tão inquieta? Por que sempre em busca de algo novo e que me move? Por que sempre tão questionadora?

Não sei, mas o sou. Não aceito respostas prontas sem que eu tenha questionado e refletido nela. Talvez nem as que eu mesma tenha pensado como resposta. Estou sempre a questionar-me e a pensar se aquilo que já pensei pra mim é de fato o melhor caminho. Sou uma alma inquieta. E mais uma vez a alma inquieta se lança sozinha. Arriscar começar ou recomeçar. Não digo que deixo tudo pra trás, porque o que é meu, continuará sendo meu nessa transição. Há uma segurança nesse meu lançar-me que antes não havia. Quando mais nova, simplesmente ia. Até porque não havia nada conquistado. Hoje, minhas conquistas estão comigo e eu não as abandono, mas as deixo guardadas para iniciar um novo caminho. No trajeto eu hei de saber se estou ganhando experiências e conquistas para juntar às que eu já tenho guardadas ou se é de fato um novo caminho. Mas e não são sempre novos? Quando voltar, se voltar, já não serei a mesma, disso tenho certeza.

Mas se por um lado admiro, como os outros falam, a minha coragem e a minha vontade de ir, de me lançar, de “arriscar caminho errado pela alegria de viver”, por outro, volto eu a não ter tanta compaixão comigo mesma e a me olhar com olhos e julgamentos sociais que aos poucos fui absorvendo. Triste, louca ou má por não seguir a receita cultural? Não sigo. E não que eu tenha o direito de julgar quem segue alguma. As pessoas têm desejos diferentes e encontram sua felicidade de forma diferente. Eu mesma, já encontrei a minha “seguindo” tal receita. E sinceramente? Já passei da fase de cuspir no prato que comi. Foi bom e tive momentos muito felizes. No fim, não há receita. Não precisamos ser todas desatinadas e seguirmos sozinhas. No nosso desatino, há sempre alguém que pode estar junto, que pode estar disposto a seguir caminhos semelhantes e a lutar um pelo outro. O que não podemos fazer, no fim, é fingir que tudo está bem e nos acomodarmos com o que não está. E, bom, aqui não estava tão bom, por diversos motivos. Vamos lá, traçar novos caminhos. Queimar o mapa, traçar novos caminhos, se reinventar. “Um homem não me define. Minha casa não me define. Minha carne não me define. Eu sou meu próprio lar.”



Ninguém sabe o que será, de verdade, mas sei que terão anjos pelo caminho, que também respondem ao nome de primos. E que eu também vou cuidar um pouco deles. Porque no caminho, o que vale mesmo desatinar e andar caminho errado é quem está do nosso lado, nos apoiando de alguma forma. Nós somos lar uns pros outros.


 E hoje, 4 meses depois que cheguei, fazendo algo para comer, escutei novamente a música que me inspirou a escrever esse texto. E lembrei dele. Reli, me emocionei e tenho algumas coisas a dizer.
Queimar o mapa e traçar de novo a estrada requer coragem e é dolorido. Mas tenho pra mim que sempre vale a pena. Se algo não está bom, podemos mudar. Se acomodar ao que incomoda é dolorido também, mas é uma dor que é sentida em conta gotas e o corpo vai se acostumando, afinal, o ser humano se acostuma até com o que é ruim de uma forma impressionante. Há um nome científico pra esse processo: chama-se habituação. Mesmo para situações aversivas, a magnitude da resposta de esquiva ou fuga do estímulo pode diminuir a depender do estímulo e da repetição dele. Um exemplo que facilita a compreensão é: barulhos constantes deixam de irritar ou mesmo deixam de ser perceptíveis com o passar do tempo.
Já mudar o que incomoda é algo que requer lutar contra um incômodo e um processo de habituação. Requer encarar o desconhecido que pode gerar empolgação, mas também gera ansiedade, medo e desconforto. E, quem tem mais de 30 ou perto disso, sabe do que estou falando. Aos 20 ou antes disso aparentemente tudo que é novo lhe parece bom. Depois de algumas experiências dolorosas na vida, o medo do desconhecido aumenta. Talvez por isso tenha escrito esse texto logo antes de vir. O medo e a ansiedade estavam aqui. O que me esperava em Portugal? Hoje, com quatro meses aqui, eu penso que o que me esperou aqui foi mais ou menos o que a gente já sabe da vida e já foi traduzido em palavras por Guimarães Rosa:  “esquenta e esfria, aperta e daí afrouxa, sossega e depois desinquieta e o que ela quer da gente é coragem”. A vida em Portugal pode não ser um mar de rosas, mas é uma vida tranquila e que apaixona facilmente quem gosta de natureza e tranquilidade. Ou até tem muitas rosas, mas como em todas elas, tem alguns espinhos.



4 meses depois: Ainda bem que eu estava ansiosa. Afinal, é sinal de que ainda tenho medo do desconhecido e não sou tão louca quanto me julgam. Mas ainda bem que não me acomodei ao que incomodava: cada dia que passa, mesmo com toda a saudade e problemas, eu tenho mais certeza da escolha que fiz. E eu estava bem certa sobre os anjos que também respondem como primos. Tão certa que adicionei primos e anjos a essa conta.





quinta-feira, 18 de abril de 2019

As saudades que imigrantes têm


"Tem dias que a gente se sente como quem partiu ou morreu... a gente estancou de repente ou foi o mundo então que cresceu? A gente vai contra a corrente, até não poder resistir. Na volta do barco é que sente o quanto deixou de cumprir."
  

Saudades de imigrantes têm um outro sabor. Tem uma outra dor. Tem um outro sentido. As saudades de morar longe de casa, de amigos e da família eu já tinha e já sentia. Já havia me acostumado um pouco a ter saudades e a lidar com ela. Marcava-se uma passagem nos feriados e aproveitava-se o bom de um lado e de outro. Sabíamos-nos próximos o suficiente para resolver pequenas coisas. 

Mas a saudade de se ter um oceano inteiro de distâncias, ah, essa é amarga. Há dias em que ela quase não existe. Há dias que você só percebe as coisas boas de estar longe do seu país. Há dias em que você quase não lembra. Mas há dias que a saudade vem e atravessa a sua alma. Nesses dias, não há muito o que fazer a não ser se aquietar, ter boas companhias e respeitar seus sentimentos e seu corpo. Não há como fugir. Nesses dias cada um tem a receita do que fazer. Eu, por vezes, fecho portas e janelas e me escondo em uma caverna. Bebo um bom vinho e como as boas comidas que Portugal me oferece. Noutros, continuo meu caminho, meus estudos ou minhas tentativas, vou correr, escuto música. Aparentemente feliz e animada. Mas a saudade continua ali, ardendo. As músicas fazem as lágrimas escorrer. 


Ao olhar fotos antigas hoje eu lembrei do calor que senti no dia da foto, tive até mesmo a sensação de tê-lo novamente, mas apenas por instantes, pois na doce tarde primaveril de 15 graus não há como sentir muito calor. Logo após, o frio sentido não é mais de 15 graus, é um frio na alma. E nesse momento eu senti falta do suor do calor brasileiro. Aquela gota de suor que escorre pela pele em uma caminhada curta. Explico: não, eu não gosto desse suor e da sensação de estar suada. Ou ao menos não gostava. Ela incomodava muito. Ou "imenso" como os portugueses gostam de dizer. Tinha vontade de jogar água gelada em mim a todo instante. Mas hoje, hoje eu senti falta dessa gotinha de suor pingando. 


Não era a gota, mas o que ela representava. O calor de estar de novo com brasileiros amigos, o calor de estar novamente com os meus, com a minha cultura. O calor da nossa fala, do nosso jeito de falar e pensar, o calor do Brasil. Ao falar isso pra algumas pessoas, sempre há as reflexões sobre não valer a pena voltar. Sei disso, e ah, como sei. Não, não quero voltar. Sentir saudades de um lugar não significa querer voltar a morar novamente lá. Quero continuar aqui, mesmo no frio, mesmo com alguns preconceitos tugas, alguns olhares tortos ao meu sotaque. Gosto muito daqui. Adapto-me fácil a um lugar em que posso andar e correr na rua sem medo, que posso ter árvores e gramas por perto. 



E bem, uma parte minha já tinha ficado aqui: a minha família zuca que agora também é meio tuga. E aí, mesmo nos momentos que posso querer chorar sozinha, isso já não é muito possível, porque sempre tem um abraço por perto, um áudio, um convite pra uma série ou um filme, um prato com um lanche ou uma sobremesa.  E assim vamos seguindo, cuidando uns dos outros. Há dias que o vinho terá apenas um gosto pra aplacar as lágrimas. Como há dias em que ele vai ter o gosto maravilhoso do vinho tuga. Entre esses dias, permanecemos aqui, tentando traçar nosso caminho, mesmo que a roda-viva em algum momento nos leve pra outros lugares ou saudades.


quinta-feira, 11 de abril de 2019

Corações partidos e marcas a adquirir



Li em algum lugar agora há pouco que corações seriamente quebrados nunca são completamente recuperados, assim como alguns ossos do corpo quebrado que nunca mais serão os mesmos, mas as pessoas vivem suas vidas sem lembrar deles, lembrando apenas em alguns movimentos que agora são diferentes. Como partes de corpo com algumas dores e inflamações crônicas, que podem voltar a doer no tempo frio ou com alguns movimentos repetitivos.
Na verdade, não somos mais os mesmos depois de algumas experiências. Coração partido é apenas uma delas. Mas também não somos mais os mesmos depois de morar sozinhos. Não somos mais os mesmos depois de fazer um curso interessante e que nos fez refletir sobre muita coisa. Como também não somos mais os mesmos depois de uma experiência religiosa. As pessoas que são mães e pais também afirmam que após o serem também nunca mais serão os mesmos, independente de como estejam os filhos.

Estamos em constante movimento. E na iminência da mudança das estações, árvores mudam completamente de um dia pro outro. E algumas levam marcas antigas em seus troncos. Mas continuam ali, florescendo na primavera e perdendo suas folhas no outono, permanecendo desfolhadas em um tempo de resistência, mas também permanecendo floridas enquanto o tempo lhe permitir.
E aí, independente de não sermos mais os mesmos, de levarmos marcas que nos acompanharão, viveremos novamente e passaremos por outras situações. Algumas nos farão lembrar outras. Outras, serão completamente diferentes e nos farão ter outras marcas. Algumas podem não ser tão profundas. A verdade é que aprendemos a lidar de diferentes formas às experiências. Aprendemos a reconhecer algumas situações e alguns sinais. Minha mãe e minha avó costumavam dizer que sinal de chuvas longas eram formigas com asa ou mosquitos. Já Luiz Gonzaga foi um pouco mais poeta e lembrou das flores de mandacaru que antecedem as chuvas no sertão. De onde eu vim era assim, mas aqui em Portugal já não sei reconhecer sinais que antecedem as grandes chuvas e não lembro de ter visto uma só formiga ou mosquito anunciando chuvas no inverno. Posso passar tempos sem ver formigas com asas. Mas no dia que vê-las, vou lembrar e procurar outros sinais que pareçam com as situações que antecedem as grandes chuvas no Nordeste Brasileiro. 


Quem já passou por experiências dolorosas aprende a ver alguns sinais e a evitar algumas situações. Já dizia outra frase da minha mãe e da minha avó: gato escaldado tem medo de água fria. É verdade que não podemos deixar o medo nos paralisar. Não é porque tive uma ou algumas situações ruins que todas as outras serão assim. Ou serão boas por algum tempo. E quando começar a fazer mal é hora de perceber os sinais que antecedem coisas ruins. É possível que ainda fiquem dores. E tudo bem senti-las novamente. Saber reconhecer alguns sinais de algo doloroso não nos torna insensíveis a elas. E que bom que não. A dor é importante pra nos avisar que há algo errado e que é preciso cuidar.