terça-feira, 18 de abril de 2017

A Bela e a Fera e algumas reflexões sobre nós mesmos e nossos relacionamentos

Fui assistir ao filme “A bela e a fera” há algum tempo e pra ser bem sincera, já cheguei com alguns pensamentos à cabeça para possíveis problematizações: amo a história pois me remete à infância. Entretanto, a temática do filme de haver uma fera mantendo uma mulher maravilhosa prisioneira e que ela aos poucos se apaixona por ele e o ensina a amar me remete a uma cultura de que "a mulher deve ensinar o homem a amar e que a mulher modifica o homem." E é por conta dessa cultura que muitas mulheres se submetem a relacionamentos dolorosos e abusivos por anos. Remete, querendo ou não ao que mais recentemente se denominou síndrome de Estocolmo.
Mas durante o filme outra frase me chamou a atenção. A da Bela, a mesma que estaria apaixonada por uma fera respondendo a uma pergunta dela: “você seria feliz comigo todos os dias?” e ela responde: “pode alguém ser feliz sem ser livre?” E a fera a liberta pra que ela vá e depois, por vontade própria, volte.

Ela voltou porque via nele um afeto que não tinha experimentado ainda, mas também só volta porque ele a deixou livre, mesmo estando a um passo de uma maldição de nunca mais se tornar humano de novo. Ali a fera teria entendido que pra manter uma pessoa ao seu lado, deveria ser porque ela queria estar ali e não por meio de abusos. Mas pouco antes disso, a própria Bela tinha demonstrado a ele que por meio de abusos, ele não a teria da forma como queria. 



 Sim, é uma história romântica da Disney e sabemos que na vida real as coisas podem ser muito perigosas para aquelas que se propõem a ser “belas” e ensinarem “feras” a amar. Na maioria das vezes, as feras manipulam as belas e elas acabam entrando em relacionamentos abusivos. E, na verdade, ninguém sabe se a história dos dois depois não terminou em novos abusos. Como na maior parte dos contos infantis, só se mostra como se iniciou o relacionamento, mas não como ele continuou. Será mesmo que a fera, após voltar a ser humano não voltou a se comportar como antes e a exigir de Bela alguns comportamentos? Sabemos que na vida real, o “e foram felizes para sempre” nem sempre é tão feliz assim.
Pra além disso, parei para pensar no quanto muitas vezes somos Belas e Feras de nós mesmos. Somos “Belas”, ao tentarmos nos permitir, aceitar e até mesmo ensinar nosso lado “fera” a amar. E “feras” quando tentamos manter alguém do nosso lado por carências emocionais nossas e acabamos por emitir comportamentos de manipulação emocional. Somos “belas” quando tentamos crescer e conhecer o mundo pra além do que nos é mostrado, seja por meio de livros, viagens ou experiências novas. E somos feras quando assustamos as outras pessoas que se aproximam com agressividades quase que gratuitas. Somos belas quando exploramos o mundo ao nosso redor e não aceitamos as "verdades" absolutas dos outros ou regras sociais simplesmente por segui-las, sem nos questionar se aquilo nos faz ou não bem. Mas somos feras quando nos escondemos por trás de nossos erros e histórias anteriores culpando a si mesmos e os outros, sem tentar enxergar o que pode ser feito a partir de agora.

Talvez o nosso lado Fera tenha nascido de outras relações em que esse lado foi necessário se desenvolver para se proteger. Mas e quem disse que a Bela também não protege, luta, é forte, livre e ama? Afinal de contas, é ela quem salva seu pai por duas vezes e quem volta pra ajudar a Fera a se livrar de uma emboscada. Somos nossas próprias Belas e Feras. E entender quais dos nossos comportamentos estejam ligados à um lado Fera e como podemos deixar que eles possam ser modificados pelo lado Bela é um belo exercício de reflexão que a história pode trazer.




Um comentário:

  1. Essa reflexão me lembra uma história verídica que inspirou algumas das obras de Jack London. Em miúdos, um caçador conta de como foi contratado para capturar e matar um lobo que atacava o gado da região e, após meses tentando rastreá-lo, só conseguiu pegá-lo por um embuste especialmente cruel. Naquele momento ele se enxergou fera, e acabou se tornando um conservacionista pelo resto da vida. O relato que ele fez disso e publicou como livro é especialmente tocante.

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